14/02/2008

mor-te

Algumas coisas não têm explicação. Muitas coisas não têm explicação. Não que as pessoas não desejem objetiva-las ou simplesmente pensar sobre elas. (Porque pensar sobre elas já é dar sentido a essas coisas). Mas é que certas coisas são legitimadas. Abel, meu amigo, conseguiu o suicídio. Porque suicídio não é coisa que se tente, é coisa que se consiga, oras. O suicidio é legítimo. Quem se mata deixa carta por puro modismo. Porque suicídio não exige carta. A carta é para amenizar a dor de quem fica? Talvez. Mas morte é para doer. Se morte fosse coisa atoa ninguém ficaria prostrado diante dela. Morte é coisa séria. Principalmente pra quem vai. Mas eu sei lá se quem fica é quem vai. Se quem vai ainda não foi. Sei lá. Eu sei pouca coisa dessa vida. Amém.

Quando me disseram que Abel era morto eu só consegui pensar na carta que eu não mandei a ele e na poesia que começava a se formar na minha cabeça. A poesia que eu não escrevi, como a carta que não mandei. Eu também não sei porque não escrevi o poema. Talvez porque a poesia maior já estava feita desde a primeira vez que confidenciamos cigarros, Abel e eu. E porque escrever pra quem morreu é chato. É como o poema que fiz para o meu pai: só fui escrever ao velho depois de morto. Quando cheguei em casa e vi o corpo dele na sala, no lugar onde ficava o sofá. Naquele dia eu escrevi. E depois de escrever eu chorei. Para o Abel eu só chorei. Talvez porque não vi seu corpo.

A minha professora de Psicologia e Comunicação me disse que nosso quarto é o reflexo de como somos. Eu não sei como era o quarto do Abel. Mas a alma eu sei. Estava lá. A gente via. Mas me impreciona sempre quem tem coragem de se matar. Mas coragem a gente tem que ter mesmo é para viver. Morrer parece ser coisa fácil. Vai saber, nunca morri. A pessoa dar um tiro na cabeça e morrer, assim. Tem que ter o dom pra coisa, eu acho. Eu não tenho muita coragem pra viver nem pra morrer. Então eu vou, simplesmente. Vendo gente morta e gente viva. E nisso eu vou até aprendendo a viver. Porque viver é coisa que se aprende, eu acho.

No fundo eu queria era escrever sem tristeza. Abel era menino triste. Agora Abel é menino morto. Mas não aqui. Comigo não é assim. Mas eu gosto de gente que parece ser uma coisa e é outra. Assim como Bukowski nunca foi Beatnik; Bandeira nunca foi Modernista; e Abel nunca foi homem completo. Mas Bukowski e Bandeira foram maior que essas gerações. Por isso não fizeram parte delas, embora tenham as influenciado muito.

É isso. Um texto sem firulas. Porque firula não combina com morte. Com a morte é outra coisa.

5 comentários:

ana disse...

ELE PAROU DE ENVELHECER.


assim como eu.

luís disse...

nem é questão de coragem. é impulso
o instinto de sobrevivência é muito forte. não é a toa que tem gente que planeja um suicídio rápido e fica horas e até dias agonizando. desiste mas a agonia não desiste do suicida. então, passa

dessa para melhor?
sem direito a um túmulo cristão

então renato russo suicidou com aids

Rômulo Souza disse...

Comentei o texto lá no nosso blog..quando puder, vê lá..

um abraço

ana disse...

anelise, vc está muito chata.

Anônimo disse...

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Muú