23/04/2007

sete por quatro

anelise f.
à morte de meu pai

Mordia-me a obsessão má de que havia,
Sob os meus pés, na terra onde eu pisava,
Um fígado doente que sangrava
E uma garganta de órfã que gemia!
Os Doentes – Augusto dos Anjos

Sete por quatro sete por quatro sete por quatro “está morrendo” ah, vale mais lembrar-me de meu pai que todas as drogas da farmácia estou em um hospital em que sente-se o cheiro sepulcral e é meu pai por sobre a cama e é meu irmão que chama na esperança do contato derradeiro e continua a chamar seu filho primeiro mas este não vem e não há barco, lamúria nem trem que o façam deixar aquela cidade nem mesmo o pai morrendo em sua avançada idade mas meu pai tem a mim mesmo não sendo muita coisa ele me ensinou mais que o giz na lousa foi carrasco me bateu me xingou e além de tudo me amou pois mais além era meu pai e grita e geme e diz “ai” e minha mãe chora e espera sua morte antes da última hora mas meu pai é forte não se abate mas já não come nem bebe e está mais magro que toda a plebe e sua orbe é um hospital que em breve terá ar cemiterial e a vida é ordinária no outro lado da casa santa a gestante uma criança no mundo planta enquanto a vida de meu pai é tirada e minha mãe cada vez mais irada e não dorme e não come e não ri e não diz nada apenas chora são quarenta e oito batimentos por minuto e paradas respiratórias de quinze em quinze segundos e às dezoito e quarenta do dia vinte cinco de abril o coração de meu pai pára e não sei se festejo ou se choro pois hoje é o dia da morte de meu gerador e aniversário de minha mãe que celebra a dor do marido que é morto.

2 comentários:

Rui leprechaun disse...

Ó Menina!

Hoje só te namoro, mas que sina! ;)

Ana, Ana... what shall I say, really?!

A minha experiência da morte do meu Pai foi bem diferente, já que ele partiu repentinamente, na noite de Carnaval, pouco depois de adormecer...

Ainda o acompanhei ao hospital, e depois telefonei às minhas 3 irmãs que nem vivem muito longe.

Life and Death... verso e reverso...

Sabes?! Há pouco, já depois de ter escrito no teu post do amor, fui passear um pouquinho no parque aqui frente a minha casa. E pensei nos meus Pais, que todos os dias saíam juntos a passear à tarde, ternamente enamorados ainda após meio século de vida em comum.

É outra a tua vivência familiar, mas de que modo consegues filtrar nela o amor por entre a dor? Na Índia, existe uma lenda da ave mística Hans, que simboliza a Alma humana, uma espécie de cisne que se diz ser capaz de separar a água do leite e beber apenas este e deixar aquela.

Também na nossa vida podemos ser assim selectivos se quisermos. Olhar de preferência o melhor que há em nós e nos outros, não no sentido de negar o que também de negro há, mas apenas para melhor realçar essa Luz que brilha e brilhará!

E sabes, Alma bem linda?! São preciosos esses últimos momentos, como o são igualmente à entrada do mundo os primeiros alentos. Rodear de paz e aceitação os instantes finais é um preito de amor e devoção. O choro pode ficar para depois, mas no momento supremo da partida louva e reza e bendiz a sempiterna Vida!!!

Linda, mui linda, Anelise prometida...

Rui leprechaun

(...da Alma amantíssima e mui querida! :))

Anônimo disse...

Thanks to the owner of this blog. Ive enjoyed reading this topic.

Muú